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Carandiru: Policiais são condenados há 624 anos por massacre

da REVISTA UNIVERSO, em São Paulo, (SP)

O massacre que matou mais de 100 presos e entrou para a história
 do Brasil.

Dia 02 de Outubro de 1992, a Casa de Detenção do Carandiru virou repercussão da mídia internacional, uma operação policial comandada por Ubiratan Guimarães, resultou em uma tragédia, 111 presos foram mortos. Os presos foram acuados, muitos deles chegaram a ser mortos dentro da cela. Na época, autoridades chegaram a esconder de familiares, e da imprensa, o número oficial de mortos no massacre.


Tudo teve inicio após uma briga entre os presos, e iniciou uma rebelião, a Policia Militar, sob comando do coronel Ubiratan Guimarães, precisou interver para 'acalmar a rebelião local'. Na época, o número de mortos divulgado pela Policia foi contestado por sobreviventes. Segundo relatos, na época, Policiais atiravam contra detentos que já haviam se rendido, com medo da ação policial, detentos chegaram a esconder nas celas. Ao todo foram 68 policiais militares que participaram da ação, nenhum dos policiais foram mortos na época.

Sobrevivi ao Massacre

Sidney Sales, 45, um dos sobreviventes do
massacre do Carandiru.
O morador de Jundiaí, no interior de São Paulo, Sidney Sales, de 45 anos, foi um dos poucos sobreviventes ao massacre do Carandiru. "De repente eles falaram: ‘estão atirando!’ Eu falei que não, que eles estavam atirando com bala de borracha. Mas daqui a pouco os outros me ligam e dizem que eles estavam executando mesmo as pessoas. Eu subi na ventana (janela), e quando eu olhei já vi vários cadáveres estirados no chão. Eu fiquei em pânico.", lembra Sidney Sales.

Salles lembra o número de mortos na tragédia. "111 Que tinham pai, mãe e advogado. Quem recorreu. Várias pessoas não tinham família. Eu creio que aproximadamente morreram uns 250. Eu distribuía alimentação no presídio. Naquele dia, sobraram quase duas caixas de pão.", disse Sales. Hoje, cadeirante, Sidney Sales faz palestras em igrejas religiosas e trabalha na reabilitação de dependentes químicos.

Questionado Sales fala sobre a lembrança do Carandiru. "O pior momento da minha vida foi no Carandiru. O maior presídio da América Latina. Principalmente o episódio do massacre do dia 2 de outubro de 1992. Jamais será apagado da minha memória.", disse. Sidney Sales comenta sobre sua luta para conseguir sobreviver. "A sobrevivência é aquela que você vale quanto você pesa. Se você cria uma condição de conviver um pouco melhor, você vivia um pouco melhor. Se você não tivesse essas condições, tinha que prestar serviço para outras pessoas: lavar manta, vender algum objeto dentro do presídio. Fora o que era contravenção: nota, faca, baralho. Mas você tinha que ter um meio de sobrevivência. Conhecer alguém e ter um bom relacionamento com algumas pessoas para ser transferido para outro pavilhão.", disse.

O Ano de 1992 na vida de Sidney Sales

"Eu me encontrava no campo, jogando bola, pois era final de campeonato. De repente, a gente ouviu aquele alvoroço no andar e quando nós subimos o nosso time tinha sido campeão. Tinha começado aquele alvoroço do Barba e do Coelho (dois ladrões considerados de alta periculosidade), pois havia rivalidade entre os dois. De repente, uma quadrilha se confrontou com a outra. Um ficou gravemente ferido e foi transferido pro pavilhão 4 (enfermagem) e o outro demorou para o agente penitenciário socorrer.

Tinha uma gangue lá que começou a gritar “virou rebelião, virou rebelião!”. De repente, todo mundo começou a se armar com estilete, faca, alguns colocando capuz na cabeça […]. Aí eles começaram a gritar que a briga era só entre os agentes penitenciários. Nisso os agentes ficaram em pânico, evadiram o pavilhão que ficou a mercê dos detentos que ali se encontravam. Uns começaram a por fogo em algumas oficinas, pois ali tinha marcenaria, pregador e setor de fazer guarda-chuva.

Creio eu que o fogo pegou na cozinha que era a copa, onde houve talvez a explosão do gás P45. Nesse momento que o doutor Ismael Pedrosa, que era diretor na ocasião, permitiu que o Choque invadisse. Só que o Choque invadiu, no meu modo de dizer, de uma forma desumana. Se eles tivessem cortado a luz e água ou se tivessem cortado a alimentação, obviamente nós nos renderíamos.

Quando eu liguei o canal de televisão, a primeira coisa que eu vi foi a Tropa de Choque. Quando eu troquei o canal, o pelotão já havia invadido a Casa de Detenção e algumas pessoas subiram até a minha cela, pois eu ficava no 5º andar, era faxineiro.

De repente, eles falaram: “Estão atirando!”. Eu falei que não, que eles estavam atirando com bala de borracha. Mas daqui a pouco os outros me ligam e dizem que eles estavam executando mesmo as pessoas. Eu subi na ventana (janela), e quando eu olhei já vi vários cadáveres estirados no chão. Eu fiquei em pânico.

Uma semana antes minha mãe havia trazido uma carta do salmo 91, pra quem não sabe eu sou aquele menino do filme Carandiru. Eu entro pra cela e começo a recitar aqueles versículos. Nessa hora, o policial chutou a porta e mandou todos nós tirarmos a roupa e sair todos nus. Quando eu saio da galeria, vejo quase 40 cadáveres estirados no chão. Alguns entre a vida e a morte agonizando.

Os policiais mandaram descer. Quando eu desço do 5º para o 4º andar, um policial mascarado esfaqueou o rapaz com uma baioneta que estava na na ponta da espingarda, deu mais alguns disparos, soltou o cachorro pastor alemão, o cachorro catou e estrangulou o preso. O policial virou e falou: “Pula negão”. Eu desci todos os andares e cheguei no primeiro. Todos tinham que ficar com a cabeça entre as pernas.

Passaram-se algumas horas e começou a chover. Os policiais mais os agentes penitenciários começaram a catar algumas pessoas pra carregar os cadáveres. Eu fui uma das pessoas escolhidas. Carreguei aproximadamente uns 35. Depois um policial falou: “Aí negão, você e o outro aí sobem pra catar outro cadáver”. Quando nós subimos, o rapaz que estava comigo perguntou: “Caramba, nós já não carregamos todos os cadáveres?”. Eu falei que talvez eles tivessem deixado embaixo de alguns escombros. “Vamos rápido antes que os caras eliminem nós”, disse. Quando eu subi pra catar o cadáver, vi que era o cara que estava ajudando a gente a carregar os outros cadáveres. Porque agora quem estava ajudando a carregar todos os cadáveres estava dando queima de arquivo.

Eu percebi isso, subi pra galeria, pro 4º andar, cheguei e vi aquela poça de sangue misturada com água. Não que eu tinha complexo pelo fato de contrair o vírus HIV, pois já tinha tomado conta de pessoas em fase terminal com vírus da Aids dentro da cadeia, mas meu medo era pisar no sangue das pessoas que eu havia conhecido. Então eu subi para o 5º andar. Quando eu cheguei lá me deparei com três policiais. Eles me viram, apontaram a arma pra mim, uma calibre 12, uma escopeta, uma metralhadora e duas automáticas. Falaram: “O que você está fazendo aqui?”. Eu disse: “Meu senhor, eu ajudei a carregar os cadáveres lá embaixo e o tenente mandou eu subir pra cá”. Nessa hora ele falou que ia acontecer um milagre na minha vida. Ele estava com um molho de chaves na mão, um ferro que tinha umas 50 chaves, e falou: “Olha moço, o milagre que vai acontecer é o seguinte: eu não sei qual é a chave do cadeado, mas a chave que eu pegar na mão e bater no cadeado eu vou torcer. Se abrir, você entra, se eu não abrir, nós vamos te executar agora”. Naquela hora eu me apeguei com Deus. Na hora que ele catou a chave, colocou no cadeado e torceu, o cadeado abriu. Foi nessa hora que eu entrei e ouvi a batida da porta nas minhas costas. Tinha umas 40 pessoas. Começamos a se revezar pra tomar um pouco de ar, pra não ficar asfixiado ali naquela cela.

Pela madrugada um detento escapou pela porta do guichê e começou a quebrar os cadeados das outras celas. Nós começamos a nos amotinar de novo pra pedir a reivindicação de juiz, promotor, pessoas que estavam com penas vencidas, pessoas que já estavam passando de um terço de sua pena. Nesse momento foi pedido para fazer uma comissão pra conversar com um juiz, assistente social ou psicóloga. Quando nós formamos essa comissão pra conversar o pelotão do choque invade de novo, pega os elementos de alta periculosidade e transfere para algumas penitenciárias. Eu fui transferido para Parelheiros. Fiquei dois dias. Fui para a Penitenciária do Estado. Fiquei mais dois dias. Depois fui transferido para Mirandópolis. Após sete anos privado, ganhei minha liberdade.", lembra.

"Eu sou a Vitima do estado"

"Eu sou vítima do Estado. Pelo fato da ausência do Estado na minha periferia, na minha escola, na minha instrução foi que eu me tornei um marginal. Só que esse marginal foi jogado num depósito, onde era a Casa de Detenção. O maior presídio da América Latina, onde a única pessoa que se lembrava de você, era a sua mãe. O Carandiru pra mim era um depósito. Uma coisa que ficará gravada na mente de qualquer pessoa que passou naquele lugar. Ali eu considerava como Auschwitz. Há muitas histórias que aconteceram que não podem ser contadas. Eu defino o Carandiru como o vale da sombra da morte. Um local que você dormia num dia e não sabia se levantaria no outro.", desabafa Sales.

Volta por Cima

"Eu consegui dar a volta por cima, e a revolta causou algo positivo em mim. Mas, infelizmente, em outros casos não foi assim. Conheço familiares de mortos no massacre que acabaram envolvidos com drogas e bebidas alcoólicas.", disse Sidney Sales.

Julgamento


Ubiratan Guimarães, em 1992.
Ubiratan Guimarães: O coronel chegou há ser condenado em 2001 a cumprir 632 anos. Em 2002, Ubiratan foi eleito deputado estadual. Em 2006, Ubiratan foi absolvido. Em Setembro de 2006, Ubiratan Guimarães foi encontrado morto em seu apartamento em São Paulo. O coronel foi morto com tiro, ouve sinais de luta corporal. No muro do prédio onde Ubiratan vivia foi pichado: "Aqui se faz, aqui se paga", em referencia ao massacre do Carandiru.

Policiais Militares: Os 25 policiais militares foram condenados há 624 anos de prisão, no entanto, poderão recorrer da sentença em liberdade.
Redação

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